IDENY ESCRITOS & TELAS

Obrigada pela visita. Abçs!Projeto Livres  Pensadores.org

22 de maio de 2011

Um conto, leia. Se não for bonito, pelo menos é real...

Se vc nunca foi pobre, daqueles que já tiveram fogão a lenha em casa, não sabe o que perderam. Não sabem como é bom as visitas à noite, venham para pousar sendo de longe, de outro bairro, por exemplo,
ou, só para um bate papo em volta do fogão a lenha e comer pinhão assado na chapa, se, vizinho de pertinho. "Pertinho" é uma expressão pontagrossense que significa mais que perto, quase do ladinho. Ladinho
também é outro modo nosso, de falar,para colocar um ênfase especial nas definições.
Enfim, tudo dá saudade, mas não é o calor do fogo, nem os pinhões mal assados que nunca gostei por nunca os sentir realmente assados.
 Ficavam crus ou queimavam.
O que eu gostava mesmo eram as conversas, os contos e estórias antigas, onde cada um, tinha uma melhor. Eram tão
fantásticas que talvez, só acreditavam nelas só  crianças que as ouviam.
Só a luz da cozinha onde as pessoas conversavam, em suas cadeiras, que ficava acesa, o restante das luzes da casa, todas
apagadas a fim de economia.
Eu, nesta época de cinco, seis anos, era medrosa de fazer dó.Claro que eu acreditava em Deus, nos anjos e em toda proteção
que uma criança boazinha tem, e eu me considerava boazinha. O problema é que, quando nos ensinam o Bem, sempre ensinam
o Mal junto, talvez seja uma antiga tática para nos fazer acreditar ou nos apegar no Bem, e eu, desta forma, morria de medo
do capeta.
Enquanto escutava aquelas estórias de vizinhos de pessoas antigas, que acabavam se revelando lobisomens, ou mula sem cabeça,
eu olhava para a amplidão da sala e quartos escuros, e desta, na minha imaginação saíam cavalos a galope,todos com cabeça,
mas montadas sabe-se lá por quem, porque naquelas noites de casos ao redor do fogão, tudo era possível e passível
de existir.
O medo ia crescendo e eu ia saindo de minha cadeira e me empoleirado devagar no colo de minha mãe, como se devagar
ela não percebesse que eu estava
tentando subir em suas pernas, mas ela sempre via e me dizia: Por que colo, com todo este "tamanhão"? ( Pontagrossense gosta
de falar no aumentativo também) E quando me via olhando de soslaio para o escuro do restante da casa, me perguntava:
- Está com medo de quê?
Ora, se ela mesma me assustava! Não só com estas estórias à beira do fogão, mas quando me dizia: esteja atenta, sempre, minha filha,
porque o "inimigo" anda ao redor tentando uma brechinha para nos enganar. Inimigo era o diabo, e era perigosíssimo na
minha imaginação. Parecia mais poderoso e mais pronto que Deus, em vir ao nosso encontro.
Aquelas noites frias, na casa de madeira, do Jardim Europa, acabaram. Mas as lembranças das pessoas que frequentavam a roda
do fogão a lenha com histórias fantásticas, ainda me dão saudade. De uma forma ou de outra colaboraram com o meu imaginário,
principalmente porque nestas rodas de conversas ninguém se preocupava com o que era senso comum ou não.
A Casa do Jardim Europa, onde passei maior parte de minha infância, ficava um pouco antes da Avenida Aldo Vergani,
 um lugar bom,bem gostoso. Saí dali aos treze anos, e sempre sonho com esta casa.
Dia desses passei por lá, a casa continua em pé, velha e mal cuidada, maioria das casas da época, até as mais bonitas,
estão todas feias, mal cuidadas, só as construções erguidas posteriormente é que se mantém pintadas e arrumadas, não sei
o que aconteceu com todo aquele povo, parece que foram todos arrebatados ou pararam no tempo, deixando a casa até mesmo da mesmíssima cor de quando eu
morava lá. Não só a mesma cor, mas a mesma tinta, descascada...mostrando pedaços de uma parede virgem por baixo.
Fui até a alameda da Aldo Vergani, para conferir se haviam pelo menos preservado as árvores. Sim, preservaram, como estão grandes!
Quando eu era pequena, as árvores já eram grandes, pensei que as veria pequenas, como aconteceu quando vi as escadas da casa onde  morei, tão baixinhas, quando pareciam grandes no passado e davam um medo enorme de descer aquilo correndo.
Lembrei do poema, não lembro de quem, que diz "quando eu era criança, a mão do pipoqueiro era maior, tudo era maior"...
Mas as árvores, estas sim cresceram junto comigo.E por isto talvez, lá, eu ainda pude me sentir na mesma proporção que sentia quando criança... eu e as árvores, as árvores e eu, tamanhos compatíveis com o do passado, por isto talvez, ali foi onde me pareceu tudo "mais real"
Ideny Ditzel Freitas

Nenhum comentário:

Postar um comentário