IDENY ESCRITOS & TELAS

Obrigada pela visita. Abçs!Projeto Livres  Pensadores.org

11 de maio de 2010

Vale a pena ... Ensaio para uma Filosofia Trágica

http://relexus.ning.com/profiles/blog/show?id=2464688:BlogPost:4867&commentId=2464688:Comment:5154


Ensaio para uma Filosofia Trágica
A proposta de ver a vida como tragédia significa encontrar um olhar crítico e auto-crítico contra a vilania com que nossos sonhos e desejos constroem uma ordem de comodidades projetadas no mundo para nos dar segurança.

O racionalismo é como um culto místico à razão e nos faz crer que nosso pensamento encontra a realidade exatamente como ela é. A realidade é pré-existente ao pensamento e basta não pensar para que o real coabite conosco existencialmente. Cada olhar lançado ao real é um “tirá-lo de nós” sob uma perspectiva aberta para a consideração de várias possibilidades e caminhos a serem trilhados ou construídos.

O equívoco da dogmática racionalista é entender a realidade como algo a ser desvelado pelo pensamento filosófico, quando o trabalho filosófico é justamente tirar do pensamento tudo que atrapalhe ver o real em suas múltiplas perspectivas. E o que atrapalha o pensamento de se embrenhar no real é a assunção de pressupostos que não se justifiquem naquilo que a realidade pode nos mostrar. Não é pior, porém, do que assumir pospostos com base em finalismos ou propósitos que se fundam apenas em valores históricos e convenientes.

A Filosofia é o desencanto do mundo ou é o encantamento pelos caminhos possíveis de interpretá-lo? Podemos confirmar isso nos dizeres de Ortega y Gasset:

“O fazer filosófico é inseparável do que havia antes de ele começar e está unido a ele dialeticamente, tem sua verdade no pré-filosófico.” (Obras Completas, III: 280)

Isso significa dizer que não existiria Filosofia sem a consideração do mundo da vida. Reportem-nos ao Lebenswelt de Edmund Husserl, que recupera e amplia o conceito de razão e de Logos na valorização das vivências subjetivas, pré-teóricas e pré-contemplativas, sensíveis e necessárias à sua construção. A Filosofia Trágica vem de uma vida concebida tragicamente, que ao mesmo tempo em que desencanta o mundo, traz consigo o entusiasmo pela vida e a especulação da melhor forma de vivê-la. É a vida que se encanta no desencanto de sua circunstância mundana.

É o Sujeito como construtor desse saber do mundo a partir de si e da intersubjetividade vivida no Lebenswelt. Isso não significa, de forma alguma, desvincular-se da referência científica, mas dar-lhe o devido valor considerando-a inserida em uma idiossincrasia própria que lhe confere um Ser que não é a resposta definitiva de nossos anseios e possibilidades.

E quem é o Herói Trágico?
Seria, nessa concepção, o tipo de homem que desenvolve um olhar próprio que injeta uma possibilidade a mais de significação do mundo. Ele privilegia sua história, através de um EU inalienável, tomando como parâmetro existencial sua autenticidade. No entanto ele não se furta de construir sua história na alteridade, o que constitui aceitar a tragicidade da vida na bipolaridade entre sua própria criação e o desígnio do Outro enquanto convenção. A tensão entre essas duas radicais realidades (a do herói e a do Outro – podendo ser outro herói) está na efetividade de um diálogo verdadeiro.

Ele é a contraposição do homem-massa caracterizado por Ortega y Gasset como aquele que tem seu aspecto moral expresso pelo paradigma da inautenticidade: assume um modelo impessoal de vida e se define exclusivamente nas suas relações com o outro, com o mundo e com a história, ou seja, suas circunstâncias.

O herói é ele e sua circunstância, em suprema dialética para que se imponha na realidade o que de fato é: autêntico e transformador. Vê-se como obra aberta, inacabado, e decide sua vida pelo impulso de construir-se a favor da vida. Para ele viver é constantemente decidir o que será, e afirmar-se nessa decisão seja lá em qual circunstância, podendo, porém, decidir-se em vários caminhos possíveis, mas nunca ao bel prazer delas.


A Moral Trágica

Entende-se, em geral, o Trágico como catástrofe, infortúnio, malogro ou mesmo má sorte ou destino cruel. No dicionário toma-se o que popularmente ficou conotado como tragédia uma interpretação das peças em verso gregas, tanto dramáticas quanto líricas, em que a nobreza do herói era testada na iminência de situações em que seu destino (MoÎra) se completava. O malogro e a desgraça estavam presentes quando o herói ia contra seu destino.

Tragédia no contexto aqui apresentado e em sua acepção original é o inesperado. Aquilo que acontece sem que seja possível prever. O espírito da tragédia não é o fato trágico, mas como o herói enfrenta o desconhecido e o imprevisto no cumprimento de seu destino. Sempre que ele nega seu destino no enfrentamento do fato inesperado advém o infortúnio.

Digamos que, filosoficamente, a melhor tradução para a tragédia seja o fatídico (o que acontece, o existente) e não o malogro, o insucesso ou a queda. É interessante notar que o Herói Trágico é diferente do Herói Epopéico. O Herói da epopéia é um exemplo, um ideal de homem a ser atingido, o trágico não, ele é um alerta do que acontece para aquele que nega sua responsabilidade de cumprir seu destino.
E qual seria o Destino do Homem Trágico? Seria realizar-se moralmente atendendo ao imperativo da autenticidade, sem o qual é engolido pelas contrariedades de uma vida sem sentido ou levada pelas circunstâncias. Entre esse Homem Trágico e o Homem-Massa persiste a diferença de como se encara a circunstância: no primeiro como elemento dialético para a afirmação de sua autenticidade, no segundo como elemento constitutivo da única realidade possível.

O Homem-Trágico cumpre seu destino quanto mais consegue viver encravado nessa realidade que independe dele. E para isso ele precisa estar em constante desconstrução de si mesmo e de suas verdades, buscando sua autenticidade naquilo que de mais próximo é de sua força primária vital. Mas ele faz isso em diálogo com aquilo que ele assume como projeto de si.

Podemos aqui eleger o Homem-Trágico como aquele que rompe a dualidade entre o Homem-Ideal e o Homem-Massa. O Homem-Ideal, no extremo oposto do homem massa, é aquele que constrói seu próprio mundo e própria realidade e se enclausura em suas verdades e se choca com as circunstâncias. Enquanto o Homem-Massa é moldado por fora, o Homem-Ideal é moldado pela fantasia que faz de si mesmo.

O Homem-Trágico constitui-se como projeto dialogando entre a circunstância e esse projeto (que se elabora naquilo de mais íntimo e próximo intuitivamente dessa realidade que independe dele e do mundo cultural).

Nenhum comentário:

Postar um comentário