IDENY ESCRITOS & TELAS

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14 de janeiro de 2010

Teve de viajar sentado depois de morto!

Voltaire(François-Marie Arouet) - Estrepolia até na morte! Na França católica do século XVII, a igreja negava sepultura aos suspeitos de ateísmo ou de irreligiosidade. Seus corpos, sem cerimônia alguma, eram jogados numa vala, espécie de cemitério de indigentes. Quando, nos últimos dias de maio de 1778, o estado de saúde deVoltaire se agrava, seu sobrinho o abade Mignot, e um amigo, um tal de senhor Hornoy, fazem de tudo para obter uma autorização de sepultamento, caso o doente viesse a morrer em Paris. As autoridades que tinham competência no caso, deixaram claro que não concederiam a permissão. O próprio rei é sondado, e teria respondido que se tratava de uma questão que deixava para os padres resolverem sozinhos. No dia trinta, Voltaire morre. O abade toma então a decisão de esconder o fato, retirar o cadáver de Paris clandestinamente e levá-lo para uma cidade onde pudesse ser sepultado dignamente. Na mesma noite, manda chamar um cirurgião e um farmacêutico para embalsamar o corpo. Tudo é feito no maior segredo. O cadáver é vestido com um roupão e instalado numa bela carruagem com seis cavalos. Está sentado, amarrado por trás com correias, sem que ninguém as veja. Ao seu lado, vai um criado para lhe fazer companhia. Os outros vão atrás, em outra carruagem. Conta-se que, ao chegar às portas de Paris, o senhor Voltaire e sua imponente comitiva foram respeitosamente saudados pelos guardas, que de nada desconfiaram. A viagem termina em Troyes, onde Voltaire é enterrado na Abadia de Seillères. Quando o bispo de Paris sabe do ocorrido, e quer avisar as autoridades de Troyes, tudo já está encerrado. É tarde. É como se Voltaire, mesmo morto, zombasse de seus inimigos. (Voltaire- A Razão Militante, de M. das Graças do Nascimento) Seus inimigos: O abuso de poder da igreja, o fanatismo, a intolerância religiosa. -------------------------- A partir de 1759, vamos encontrar frequentemente nas obras de Voltaire, e sobretudo, no lugar de sua assinatura nas cartas que escreve aos seus inúmeros correspondentes a curiosa expressão: "Esmagai a infâmia" Objeto da crítica implacável e do odio de Voltaire, ela é em primeiro lugar, o fanatismo praticado pelas igrejas costituídas, que gera a intolerância em relação a toda opinião divergente e leva os homens a se perseguirem mutuamente e até a se trucidarem em guerras sangrentas. Em segundo lugar, a infâmia é a superstição e a ignorância que induzem os homens a práticas cruéis e à manutenção de preconceitos do passado. Seria interessante lembrar que o processo de esfacelamento sofrido pelo cristianismo durante os séculos XVII e XVIII, apresenta vários aspectos. Existe, de inicio, um problema no dominio do Conhecimento: trata-se do conflito entre a exigencia de autonomia na pesquisa cientifica e a autoridade dos dogmas cristãos. A ciencia e a filosofia pretendem colocar em questão qualquer afirmação que nao possa ser fundada racionalmente, enquanto os dogmas religiosos se apresentam como verdades eternas, impermeáveis ao empreendimento critico, e objetos de fé, dominio no qual a razão frequentemente é convidada a se calar.Na verdade, o fenômeno se fazia sentir há muito tempo, desde os primeiros movimentos da Reforma e do estabelecimento progressivo das diversas confissões e seitas. Da unidade primitiva do cristianismo passou-se à diversidade de novas igrejas. O dominio cultural outrora exercido pela teologia cristã foi sucessivamente quebrado por polêmicas e discussões publicas.A perda de unidade resultou imediatamente na perda de poder. Uma das primeiras consequencias da diminuição do poder e da influencia do discurso religioso intelectual, que liberado da ortodoxia, isto é,m da doutrina oficial das igrejas, vai apresentar diversos tipos de atitudes em face das questões religiosas. A posição de Voltaire neste contexto, é bastante singular: opõe-se ao cristianismo por julgar que os defensores dos dogmas cristãos são intolerantes e fanáticos, e,sobretudo porque na sua opinião, o clero insiste em manter os povos na ignorancia para poder melhor doiná-los. Mas se opõe tambem ao ateísmo, pois os ateus miloitantes podem ser tão fanáticos quanto os cristãos. ___________ Voltaire, a respeito do terremoto de Lisboa: "-Que dirão os pregadores – especialmente se o Palácio da Inquisição ainda ficar de pé! Agrada-me a ideia de que esses reverendos padres, os da Inquisição, terão sido esmagados tal como as outras pessoas. Servirá isso para ensinar que homens não devem perseguir outros homens: porque, enquanto beatos hipócritas queimam uns quantos na fogueira, a terra abre-se e engole a todos sem distinção.” ------------------------------------ Poucas catástrofes geológicas geraram tantas indagações e lançaram tantas dúvidas no homem moderno como ocorreu com o trágico terremoto de Lisboa de 1755. O mundo católico estarreceu-se porque a capital do Reino de Portugal era uma das cidades mais beatas que se conhecia. Não havia lisboeta que não deixasse encomendado junto à sua paróquia, para depois da sua morte, uma infinidade de missas e solicitações de velas acesas para a sua alma, para que descansasse em paz. Todas, missas e velas, quase sempre pagas antecipadamente. Porém nada disso adiantou e Lisboa foi punida como Sodoma o fora nos tempos bíblicos. No restante da Europa, o desaparecimento súbito de uma cidade inteira causou profundo abalo nas crenças otimistas geradas pela filosofia de Leibniz, segundo a qual vivíamos "no melhor dos mundos possíveis" (amplamente satirizada por Voltaire na sua narrativa Cândido, ou o otimismo, onde também dedicou trechos aos devastadores efeitos do terremoto de Lisboa). Pode-se considerar que as obras de reconstrução da cidade coordenadas durante o consulado pombalino foram facilitadas graças à existência do ouro vindo do Brasil que permitiu a construção de uma nova cidade, moderna, no lugar da Lisboa medieval que ainda subsistia nos finais do século XVIII. "Na manhã do 1º de novembro [de 1755] a cidade estremeceu, abalada profundamente, e começou a desabar. Eram nove horas, dia de Todos-os-Santos. Nas suas casas ardiam as velas dos oratórios, e as igrejas regurgitavam povo a ouvir missas. Toda a gente, numa onda, correu às praias; mas, rolando em massas, estancou perante a onda que vinha do rio, galgando a inundar as ruas, invadindo as casas. Por sobre este encontro ruidoso, uma nuvem de pó que toldava os ares e escurecia o sol, pairava, formada já pelos detritos das construções e das mobílias, que o abalo interno da terra vasculhava, e os desabamentos enviavam, em estilhas, para o ar.Fugindo do maremoto .A onda do povo aflito, retrocedendo, a fugir do mar, tropeçava nas ruínas; e as quedas, e a metralha dos muros que tombavam, abriam na floresta viva, aditada pelo vento da desgraça, clareiras de morte, montões de cadáveres e poças de sangue, dos membros decepados, com manchas brancas de cérebros derramados contra as esquinas. E as casas erguiam-se com as paredes desabadas, os tetos abertos sobre os esqueletos dos tabiques, mostrando a nu todos os interiores funestos, neste dia em que, para muitos, Deus julgara e condenara Lisboa, como outrora fizera com Sodoma. Por isso rouco trovão dos desabamentos se ouvia cortado pelos ais dos moribundos, e pelos gritos dos homens e das mulheres, abraçados às cruzes, aos santos, às relíquias, soluçando ladainhas, ungindo moribundos, parando esgazeados a cada novo abalo da terra que não cessava de tremer, arrastando-se pelo chão, de joelhos, com as mãos postas, a face em lágrimas, a clamar: Misericórdia! Misericórdia! Casas, palácios, conventos, mosteiros, hospitais, igrejas, campanários, teatros, fortalezas, pórticos, tudo, tudo caía. 'Se visses somente o palácio real, diz uma testemunha, que singular espetáculo meu irmão!' Os varões de ferro, retorcidos como vimes, as cantarias estaladas como vidros. A onda do rio sorvia num momento o cais do Terreiro do Paço, com os barcos atracados coalhados de gente. Dos andares altos precipitavam-se sobre as lajes das ruas. O medo crescia, vinha loucura: viam-se mortos arrastados pelos vivos, viam-se mutilados coxeando, gente correndo desgrenhada, seminua, homens e mulheres, velhos e crianças, dilacerados, sangrentos, arrastando uma perna fraturada, esvaindo-se em sangue por algum membro decepado. Gritos, choros, clamores, imprecações, ais, preces, um burburinho de vozes desvairadas acompanhava os gemidos comprimidos dos soterrados nos escombros. No turbilhão das ruas, havia quedas e mortes, abraços e agonias. A mesma loucura dos homens era o desvairamento dos brutos: os machos, desbocados, arrastavam os cavaleiros e as caleças, precipitando-se nos despenhadeiros da cidade montuosa; e a massa de gente viva, moribunda e morta, de envolta com os entulhos, rolavam nas ruas ladeadas pelos esqueletos das casas dando uma imagem desolada do que seria o caos. Quando a terra se subvertia, quando o mar vinha subindo, a afogar a terra, quando no ar faiscavam as línguas flamíferas rutilantes, que lembrança poderia haver das invenções humanas? Abraçados, confundidos, na comunidade do pranto, fidalgas e freiras, meretrizes e mães, mendigos e senhores, vilões e cavalheiros, abraçavam-se na comunidade da fome, do frio, da nudez, do terror. De rastros a cidade inteira, sacudida pelo abalo formidável, reunia toda a sua eloqüência numa palavra única - Misericórdia! Misericórdia! Depois da Água o Fogo Mas vinha o clarão das chamas com a sua luz sinistra; vinha a labareda fustigar com lume a pobre gente seminua, tiritando sob o açoite de um nordeste frígido. Gelava-se a ardia-se a um tempo; sufocava-se em fumo e pó. E as labaredas cresciam, e o incêndio lavrava, e aos gritos desvairados dos infelizes juntava-se o crepitar das madeiras, o estalar das cantarias, a cascalha dos espelhos, dos cristais e dos charões, que o fogo devorava. A densa nuvem de pó que escurecia tudo, iluminava-se com os clarões vermelhos que rebentavam por toda a parte, porque Lisboa inteira derrocada era um braseiro. As línguas orgulhosas das chamas subiam emproadas para o céu, juntando às preces lacrimosas de habitantes como um protesto satânico dos elementos. A FÚRIA DOS ESCRAVOS Outros protestos, mais positivos e igualmente horríveis, atroavam agora os ares: os escravos vingavam-se da sua escravidão, os mendigos da sua pobreza, os maus da sua maldade. O assassinato, o estupro, o roubo, como numa terra posta ao saque, rolavam de envolta com as ruínas e o fogo; e por entre os destroços ainda apagados viam-se os perfis negros dos escravos, rindo infernalmente, com os olhos injetados, os dentes brancos, a atirar tições ardentes para cima das ruínas, aumentando o incêndio, aclamando a chama vingadora... Misericórdia! Misericórdia! Calcula-se terem morrido neste dia, em Lisboa, de 10 a 15 mil pessoas. Dessa hecatombe nasceu o poder do marquês do Pombal... O terramoto fez-se pois homem, e encarnou em Pombal, seu filho.