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2 de abril de 2011

O que é heresia?

O que é uma heresia?


"Um cínico poderia definir a heresia como a opinião expressa por um
grupo minoritário que uma maioria suficientemente poderosa para poder puni-lo
considera inaceitável [...] Deus [...] está do lado da maioria: a ortodoxia, pode-se
acrescentar, é aquilo que dizem Dele [de Deus]."1

O significado que hoje damos ao termo "heresia", ou seja, "opinião
errada", é uma inovação tipicamente cristã. O primeiro a usá-lo com esta
acepção foi São Paulo, em Gaiatas, 5, 20.

O termo "heresia" deriva do grego hàiresis, "escolha",2 e designava
aqueles que pertenciam a uma escola filosófica por escolha. Hereges eram,
portanto, os estóicos, os céticos, os epicuristas, mas também, no mundo hebraico,
os fariseus, os saduceus e os essênios.3

A Igreja, desde o início, prestava uma atenção doentia à terminologia
religiosa. Muitos eram os que se sentiam os únicos depositários da verdade. E,
assim, um termo que indicava a pluralidade das escolas de pensamento assumiu o
significado negativo que conhecemos hoje.

Mas não é fácil manter uma verdade. Durante a história, houve
contínuas revisões e correções. Uma afirmação declarada herética por um
concilio era derrubada por outro e vice-versa. O exemplo mais conhecido talvez
seja o de Joana d'Arc, queimada na fogueira em 1431 e santificada em 1920. O

bispo Teodoro de Mopsuéstia, que morreu em 428 em paz com a Igreja, foi


declarado herege e condenado 125 anos depois de sua morte. Os bispos Estêvão,
de Roma 254-257), e Cipriano, de Cartago (248-258), ferrenhos adversários sobre
questões doutrinárias quando em vida, são ambos venerados como santos.

Argumentos religiosos que custaram milhares de mortos

Os primeiros séculos do cristianismo registram disputas intermináveis para
estabelecer se Cristo era "da mesma substância do Pai" ou apenas "muito
parecido", ou quantas naturezas coexistiam em Jesus Cristo. Disputas essa nas
quais as opiniões consideradas equivocadas não eram apenas um erro, mas um
pecado. Quem se obstinava em defender as próprias opiniões cometia um crime
atroz, digno de uma pena severa.

Sobretudo quando o cristianismo se tornou religião de Estado, os
"perdedores" nas disputas teológicas podiam ser punidos com o exílio, a tortura e a
morte, a menos que se transformassem em perseguidores, quando o vento
soprava a seu favor.

As tentativas de impor à força a "doutrina verdadeira" a populações
inteiras podiam ensejar rebeliões, vinganças, massacres e guerras.

Mas divergências teológicas acerca da Trindade justificam conflitos que
duraram séculos e fizeram milhares de mortos? Quantos dos participantes do
Concilio de Nicéia, por exemplo, tinham real capacidade de compreender todas
as nuances filosóficas do embate entre arianos e trinitários? Com certeza, os
primeiros pensadores cristãos se encontravam diante de problemas teóricos nada
pequenos: precisavam conciliar o rígido monoteísmo herdado dos judeus com sua
fé em Deus feito homem, sem se confundir nem com as tradicionais mitologias
pagãs (lembremos das transformações de Júpiter), nem com os cultos místicos
concorrentes e as doutrinas agnósticas, segundo as quais cada homem que
ultrapasse um determinado percurso iniciático pode se tornar deus.

Os bispos não pagam impostos

Mas havia questões doutrinárias que diziam respeito a elementos de
importância concreta para a vida quotidiana das primeiras comunidades cristãs:
por exemplo, era preciso definir se os fiéis que haviam renunciado à fé nas
perseguições deveriam ser readmitidos ou se os sacramentos celebrados por


sacerdotes indignos deveriam ser validados.

E, naturalmente, havia também os bastante concretos interesses
materiais das nascentes elites cristãs.

Pouco mais de cem anos após a morte de Jesus, já existiam movimentos
que lamentavam a corrupção e a decadência da Igreja, como os montanistas.
Estes pertenciam a um movimento que nascera na Frígia no século II. Eles se
consideravam puros, privilegiavam a relação direta com o Espírito, e as mulheres
figuravam em primeiro plano. O próprio Montano, em sua missão, era ladeado por
duas mulheres: Priscila e Maximília. Os montanistas foram perseguidos por séculos.4

Constantino, que transformou os bispos em funcionários do Império e lhes
isentou do pagamento de impostos, apenas acelerou uma tendência já em curso
no próprio corpo de Igreja. Os bispos há muito tinham deixado de ser simples
porta-vozes das comunidades cristãs eleitos pelas Igrejas, ou seja, pelas
assembléias de fiéis, tornando-se verdadeiros senhores que administravam a seu
bel-prazer os bens da Igreja, ordenavam o clero menor de acordo com as próprias
conveniências e, muitas vezes, "transmitiam" seu título aos filhos e irmãos. O cargo
de bispo acabou se tornando muito desejado por membros das famílias
abastadas.5

Apesar das disposições contrárias do Concilio de Nicéia, alguns homens
foram nomeados bispos antes mesmo de serem batizados, como o filósofo
neoplatônico (adepto de uma corrente de pensamento incompatível com o
cristianismo) Sinésio de Cirene. O próprio Santo Ambrósio, já funcionário imperial,
foi nomeado bispo poucos dias depois de ser batizado.6

Quando o cristianismo se tornou religião de Estado, as acusações de
heresia e as disputas teológicas se tornaram pretextos para jogos de poder nos
quais a aposta era muito terrena: o controle de dioceses "ricas", o monopólio de
recursos e matérias-primas importantes, a eliminação de rivais e adversários, e a
divisão dos postos nas cortes imperiais.
Por vezes, de maneira ainda mais perversa, quem acreditava de
maneira fanática na própria verdade podia usar o poder e a influência de que
dispunha para impô-la aos outros. Alexandre, bispo de Alexandria, por exemplo, foi

acusado de sabotar as provisões de trigo em Constantinopla para levar o
imperador a assumir uma posição decisiva contra o arianismo.
Contra os hereges, em dado momento, chegou a ser inventado um
instrumento repreensivo de perfeição diabólica: a Inquisição. Os inquisidores eram,
ao mesmo tempo, policiais, carcereiros, acusadores e juízes. Qualquer besteira já
era suficiente para acabar em suas garras: um boato, uma carta anônima, um
comportamento ligeiramente diferente do normal. Até ser devoto demais era
considerado comportamento duvidoso. O suspeito era considerado culpado se
não conseguisse provar a própria inocência. E quem testemunhava em favor de
um suposto herege podia, por sua vez, tornar-se suspeito e sofrer um processo. Na
verdade, as perseguições aos hereges começam logo depois da criação da
Igreja de Estado e terminam no século XVIII, com as últimas ondas de caça às
bruxas. As histórias dos processos e das perseguições realizadas pela organização
eclesiástica e pelo "Santo Tribunal" são tão absurdas e contraditórias que não nos
permitem nenhuma análise verossímil. É impossível fazer um balanço confiável
dessas guerras e perseguições, e decerto milhões de pessoas foram assassinadas
em mais de mil anos de crueldade desumana.

Os exércitos cristãos

E, como se não bastasse, foram os papas que ordenaram as Cruzadas e,
posteriormente, a colonização das "terras novas" e os massacres que se
sucederam.
(trecho do livro:O lado negro do cristianismo)

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