IDENY ESCRITOS & TELAS

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30 de março de 2011

São tantas coisas absurdas...

Eu tenho uma tia, por exemplo, que eu acho que teima em não morrer. Ou é isto mesmo, ou eu é que desejo que ela morra." Credo", vc pode dizer, mas eu explico, mesmo que para voce não justifique, o que não me interessa. O nome dela é Margarida, está hoje com  oitenta e poucos anos e forte feito leoa, digamos assim: muito, mas muito mais forte do que eu! Bem, pelo menos ela nunca teve nenhum "piripaque coronário".
Hoje eu entendo que tia Margarida, era, e ainda deve ser,  uma dessas pessoas que gostam de sangrias emocionais, vampiras! Mas crueldade comigo,po,  que com 3 anos de idade já tinha passado pela experiência de quase perder minha mãe num infarto, e não tendo mais ninguém no mundo, digo pai e irmãos, acabava dormindo sempre com medo dela amanhecer morta. Muitas vezes nesta tenra idade, levantava à noite conferir se minha mãe estava respirando. Pois então, esta tia Margarida, era a única  mais próxima de minha mãe,   e toda vez que minha mãe ia às pressas para internamento, essa tia me levava para sua casa. Quando falava: tua mãe desta vez tava feia mesmo, não sei não... e espichava os olhos bem fundo dentro dos meus olhinhos, eu me sentia mal, e sempre escondia a emoção. Não satisfeita, ela procurava ser cada vez mais drástica e talvez porque nunca conseguiu me fazer chorar ou ver alguma expressão de desespero em meu rosto, cada vez ela caprichava mais em suas observações.Isto aconteceu em minha infância inteira, e eu tinha às vezes a nítida impressão que ela queria me fazer sofrer por gosto, por antecipação.E por perceber isto que continuava sempre escondendo toda e qualquer emoção nestas ocasiões escabrosas da parte dela. Depois de algum tempo, as observações de tia Marga passaram a me fazer sentir culpada. Que minha mãe logo morreria, e me parecia que ela queria me culpar por isto.
Um dia, eu já tinha 14 anos, e lembro como hoje, um galo cantou "fora de hora" como ela, toda cheia de senso comum, dizia, e isto significava que alguém iria morrer... Mas ela disse "alguém" de uma forma especial e olhando demoradamente dentro de meus olhos. Outra vez fingi nao entender que percebia sua intenção de ver emoção e tristeza em meu rosto. Fingi não entender que ela se referia à minha mãe, que para não variar estava doente.  Mas este dia foi o que mais marcou, de todos os que ela me provocou com estas suas atitudes nunca entendidas por mim..Não sei se  este foi o que mais marcou, ou se foi a gota d'água.Mas  eu comecei a partir deste dia a  desejar que ela morresse antes de minha mãe.
Um dia cheguei a sonhar que minha mãe morreu antes dela, foi um pesadelo terrivel. Quando acordei desejei ardentemente que isto não acontecesse, eu não queria que aquela tia maldosa, me visse enfim, desmoronada.E tudo que passei a desejar foi que minha mãe nao morresse, não morresse, não morresse, nunca antes, desta Margarida. As duas tinham idades aproximadas. E eu, esperança da tia morrer antes da mãe.
O rosto de minha tia envelhecia muito mais rapidamente que o de minha mãe: bom presságio. Ela trabalhava mais duro que minha mãe: um ponto favorável para meu desejo. Um dia ela se quebrou toda,num acidente de automóvel  "remontaram" ela inteira no hospital com placas para segurar os ossos velhos... Isto poderia enfraquecê-la, mas ela continuava forte e malvada. Parece que tudo que desejava era me ver chorar a morte de minha mãe, ou ver alguma emoção em mim... não sei...
Mas fui eu quem viu primeiro no rosto dela, a dor que ela queria tanto ver no  meu, quando sua filha morreu de repente, de causa desconhecida. Entrei onde estava sendo velada a mulher, e o primeiro rosto que vi foi o dela, da tia Margarida! Triste, triste, triste, e minha mãe sentada ao lado dela, calada. Não consegui olhá-la por muito tempo, sua dor deveria ser terrível, ela parecia ter o rosto empedrado e olhou para mim, e nao sei porque eu não queria que ela visse que eu vi sua dor... Ao contrário do que ela esperava ver em mim. Desviei o olhar tão de repente e sai tão abruptadamente do local, como se tivesse ido conferir se  alguém estava ali, apressada... Então neste dia entendi, que era esta dor que ela queria ver no meu rosto, tive certeza. E única coisa que pensei foi:" Eu vi no seu rosto primeiro, sempre o que voce quis ver no meu", mas falei isto sem dor nem contenamento.   Mas ainda não era tudo. Eu nao queria que minha mãe morresse antes dela, nunca!
Muitas e muitas vezes em minha mente de adulta, vinham as cenas da infância quando ela me insinuava que minha mãe iria morrer e me olhava fundo para me "sondar"... Nunca entendi pq ela fazia isto, mas ela continuou fazendo sempre,sempre,sempre. E eu sempre lembrando do sonho em que minha mãe morrera antes dela, e desejando fortemente, que isto nao acontecesse... Mas aconteceu!
Encontrei ela ao lado da cama do hospital onde minha mãe já havia entrado em estado terminal, e sua cor era branco amarelado, e as pernas muito emagrecidas tinham a pele toda ressecada já, sem movimento. A primeira coisa que tia Margarida disse foi, apontando do quadril para baixo de minha mãe, que parecia dormir: - daqui pra baixo ela já morreu!... Não sei se desta vez ela tentou sondar meus olhos, pq nao a olhei, apenas sem demonstrar sentimento à velha, falei que o cheiro de hospital e remédios não estavam me fazendo bem e iria sair tomar um ar fresco, falei com a voz mais firme e fria que pude e  saí do quarto com minha filha pequena, e me dirigi até uma praça sentar num banco ruminar sozinha a minha dor... uma dor seca, sem lágrimas...enquanto minha filha inocente brincava de balanço e minha mãe morria lenta e dolorosamente frente aos olhos de sua maior espectadora! Parece que a velha Margarida esperou por isto a vida toda dela, pois bem, vencera... maldita! Mas não me veria chorar, não saberia de minha dor... Não se alimentaria como vampira de meus sentimentos e emoções!
Faz vinte anos que minha mãe faleceu. Vi uma ou duas vezes esta tia Margarida, mas sei que está forte ainda feito touro, nestas ocasiões ela não deixou de falar coisas tentando me emocionar. Continuei fria feito uma parede de gelo,  indecifrável ... fingindo ainda não entender seus comentários.
Talvez um dia eu entenda melhor porque ela e quase toda a familia dela têm  este desejo de sugar emoções, mas especialmente ela, e mais especialmente para comigo...
Enqto o ex-vice Alencar lutava pela vida, e sempre sobrevivia qdo ninguém mais acreditava que o fosse, nós aqui em casa comentávamos: ele e a tia Margarida ainda irão se casar...
Pois é, foi-se o Alencar, e posso ir eu, mas tia Margarida, sempre que pergunto dela para Silvia, sua filha, sempre obtenho a resposta: ela está boa. O que confesso, me deixa, diante de tudo que narrei, um pouco bem decepcionada!
Agora só tenho este receio: do qual faço chacota, será que tia marga vai me enterrar ainda?Neste caso, mesmo  assim, não verá em meu rosto frio, expressão alguma para sugar...
Minha tia vampira, eu tenho até receio do dia que vc morrer eu ficar com remorsos... de tanto que andei desejando sua morte, só pq seus olhos e suas palavras me atormentaram a vida toda!

(Ideny Ditzel Freitas) 

p.s. Tudo bem, tudo bem, há coisas que a gente nunca entende, mas apesar disto tudo, só tenho um pedido: se eu morrer antes "dela"  e não me cremarem, não deixem pelo menos, que a tia vampira participe de meu velório! 










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