IDENY ESCRITOS & TELAS

Obrigada pela visita. Abçs!Projeto Livres  Pensadores.org

16 de março de 2011

O Segredo do "Segredo"




REFLEXÃO
Fórmulas de sucesso
Como a psicologia vê o pronto auxílio das publicações de auto-ajuda, o aconselhamento na Tv e as novas ferramentas terapêuticas (em breves comentários)

Reportagem: Mônica Serrano

HUTTERSTOCKNuma visão simplista daquilo que alguns chamariam de caos existencial, o grande problema da humanidade residiria no trato nada hábil de um cotidiano cada vez mais ágil, mutante, agressivo e plural. As soluções para as questões pessoais, profissionais e coletivas também haveriam de ser assim: eficazes, imediatas e prolíferas, tanto quanto as novas situações e angústias que se colocam ao indivíduo, dia após dia. As obras ditas de “auto-ajuda” emergem deste panorama como tábuas de salvação, oferecendo receitas de alívio instantâneo da angústia e promessa de “sucesso” em campos diversos da vida.

A “bola da vez”, naquilo que se configurou uma produtiva indústria, parece ser O Segredo (livro de Rhonda Byrne, ver quadro O fenômeno), dono de um faturamento de bilhões de dólares, adaptado para o cinema. A coqueluche, que segue a linha de diversos similares editoriais, desperta polêmica sobre esse tipo de literatura/filme, ao tentar mostrar que a felicidade e o sucesso são tão matemáticos quanto a gravidade. Sendo assim, profissionais psi perguntam: qual seria a base científica deste e outros grandes manuais de auto-ajuda? Os livros do gênero e a mídia seriam vilões ou mocinhos com seus conselhos motivacionais? E as novas ferramentas terapêuticas: seriam mais soluções instantâneas questionáveis?

“Do meu ponto de vista, o livro e/ou filme despertaram grande interesse porque, cada vez mais, numa cultura globalizada, o ser humano está isolado e sozinho com suas questões”, entende a psicanalista Suely Gevertz sobre a obra de Byrne. “O desenvolvimento tecnológico, com todos os benefícios que trouxe, não lida com aquilo que é próprio do humano. Por outro lado, as pessoas tendem a tentar resolver suas questões rapidamente, sem querer se deter muito a elas”, explica, evidenciando um contexto próspero para a autoajuda e terapias e/ou ferramentas terapêuticas de rápidos resultados. Mas ressalta a importância do especialista: “Livros podem auxiliar as pessoas a enxergar alguns aspectos. Mas, para resolver as dificuldades encontradas, só mesmo submetendo-se a um trabalho sério com um profissional qualificado”.

Ana Maria Serra, presidente do Instituto de Terapia Cognitiva (ITC), também teme o caminho solitário do leitor de auto-ajuda, que nem sempre recorre ao profissional psi. “O problema que vejo nessas obras é que freqüentemente as orientações sugeridas carecem de comprovação mais sistemática, refletindo apenas crenças pessoais do autor, que ele extraiu de suas próprias experiências ou da experiência de outros próximos a ele. Entretanto, o simples fato de crenças ou estratégias terem sido úteis na vida do autor ou de outros próximos não significa necessariamente que essas mesmas estratégias possam ser de ajuda a outras pessoas, em contextos e com necessidades diferentes”, acredita a terapeuta. “O perigo é acentuar nas pessoas idéias de incapacidade e inadequação quando, com base nas orientações sugeridas pelos autores, eles falham em atingir suas próprias metas de autocrescimento, em realizar mudanças em sua própria vida e, especialmente, em manter essas mudanças ao longo do tempo”, enfatiza.

“Para resolver as dificuldades,
só mesmo com um trabalho sério
e um profissional qualificado”
Com a palavra, o Conselho Federal de Psicologia

O que é auto-ajuda? “Auto-ajuda é um tipo de literatura. Busca, de um modo fácil, rápido e acessível, a resolução de problemas do dia-a-dia das pessoas. Os conteúdos de livros de auto-ajuda são organizados sem fundamentação científica para as suas afirmações, muitas vezes organizados de forma romanceada ou por meio de casos individualizados, que querem servir de exemplos para a abordagem de problemas das pessoas de modo generalizado.
Filme O Segredo, marco da autoajuda mundial

Ainda: as situações às quais se quer oferecer ajuda são organizadas de maneira bastante primitiva, quase sempre apelando para a crença das pessoas, uma vez que se sustentam em promover um tipo de pensamento mágico, como o de muitas religiões. Por isso, o próprio nome então faz muito sentido: auto-ajuda. A possibilidade de resolução seria contida apenas na pessoa, em si, e, como não poderia deixar de ser, tal possibilidade de resolução não contempla relações, posturas e vivências substancialmente diferenciadas do que se vem apresentando até então. Relacionado a isso está o fato de que as técnicas de auto-ajuda contam também com o conceito de auto-estima, valorizando uma idéia de que as possibilidades de satisfação e realização de uma pessoa estariam contidas nelas mesmas.

Em linhas gerais, as literaturas de auto-ajuda não abrangem conhecimentos de estruturas sociais mais amplas, bem como as especificidades contidas nas relações e nas histórias individuais”.

As correntes polêmicas
“A Psicologia tem suas práticas organizadas por meio de perspectivas teóricas. Estas linhas teóricas caracterizam-se, sobretudo, por terem contido em seu cerne uma noção de homem. A uma noção de homem encontra- se relacionado um modo específico de compreensão de como se constitui o homem e seu aparato complexo que pode ser denominado de muitas formas, mas que vem sendo bem coerentemente intitulado de subjetividade. O modo como essas linhas teóricas consideram a subjetividade é diversa de como se organiza a literatura de auto-ajuda, haja vista que as linhas consideram o homem relacionado a uma rede complexa de relações sociais,históricas e afetivas. Decorrentes disso, as perspectivas teóricas da Psicologia não podem subsidiar intervenções calcadas em métodos primários de aplicação e que não vislumbrem, em última instância, autonomia e possibilidades de intervenção do homem no meio do qual faz parte”.
A acupuntura é a única técnica alternativa aceita pela CFP

Psicólogos na mídia
“O Conselho entende que podem ser identificadas infrações ao Código de Ética da Profissão à participação de qualquer psicólogo para promover prática que descaracterize a profissão. Tais participações devem ser denunciadas a fim de que o psicólogo tenha, por parte dos Conselhos, a efetivação das medidas cabíveis atinentes aos Conselhos. Por outro lado, o Conselho considera importante a participação de profissionais da Psicologia, colaborando com qualquer debate no qual a Psicologia possa elucidar questões . Está no Código de Ética que o psicólogo deve colocar a Psicologia a serviço da população. Nestas participações, o psicólogo não deve fazer afirmações taxativas, expor pessoas; deve manter a Psicologia como uma profissão importante para a sociedade, o que não quer dizer que a participação de um psicólogo na mídia deva ser rasa, sem fundamentação teórica, ou movida por facilidades e crenças. Uma vez que a Psicologia é importante para a população, o psicólogo deve buscar sua inserção na mídia participando de debates que coloquem a profissão de modo claro e destacado”.

Recomendações aos usuários “Tomar a auto-ajuda como uma literatura, que tem limites em seus alcances, e que, muitas vezes, abrange mais que o entretenimento. Esse tipo de literatura, especialmente no momento atual em que vive nossa sociedade, em que isso virou um nicho de mercado, não pode ser considerada uma prática da saúde, como é a Psicologia. As intervenções psicológicas, por sua vez, do mesmo modo, têm seus limites, mas trazem em seu bojo a não subestimação do ser humano ao qual se destina, pois a pessoa atendida pode, a qualquer momento, questionar sua eficácia e estabelecer diálogo com o profissional e seu projeto de intervenção”.

Fonte: Ana Lopes - Secretária de Orientação e Ética do Conselho Federal de Psicologia

Mas haveria também características positivas no trabalho de bem-intencionados autores. Por exemplo, “a literatura de auto-ajuda pode efetivamente promover no leitor a informação sobre problemas, a identificação de dificuldades próprias e a motivação para buscar a ajuda profissional”, contrapõe a presidente do ITC. “Mas, não sendo esse seu principal objetivo, poderia, em paralelo, causar danos como os anteriormente citados”, destaca. “Mais do que o fornecimento de respostas rápidas, o grande problema seria mesmo a freqüente ausência de uma metodologia na elaboração do conteúdo desse tipo de livro”, entende Ana Maria.
CIÊNCIA E PROCEDIMENTO
No caso de O segredo, “o filme ou livro dá respostas a algumas das questões humanas, como, por exemplo, conseguir o que se deseja com conselhos baseados em teorias de algumas ciências, maquiadas para dar um pseudo-sentido científico à tese da autora”, analisa Suely Gevertz. Rhonda Byrne recorre à Física Quântica (Lei da Atração) e à Programação Neurolingüística (PNL), vendendo seus conceitos como se fossem mágicos, o que, também para a psicoterapeuta Eliane Guimarães dos Santos, adepta da PNL, dá margem a discussões. Mas, na visão da profissional, muito se pode obter da boa intenção de Byrne, como desenvolver nos leitores/espectadores motivação e perseverança. Para tanto, bastaria aprofundar-se nos ensinamentos que a escritora procura transmitir.
Gasparetto, em seu programa Encontro Marcado (RedeTV!), dá conselhos e orientações a quem busca ajuda

Com o objetivo de desmitificar O Segredo, Eliane procurou mostrar o processo que há por trás da realização dos desejos das pessoas que dão seus depoimentos no livro/filme. “Primeiro passamos o filme e, a partir disso, pegamos os tópicos passíveis de discussão. O que se percebe é que ele dá a sensação de solução imediata, aquele sentido de magia, da rapidez da fórmula mágica para resolver as questões. Pontuamos isso e começamos a trabalhar que o pensamento não é mágico – falamos sobre ele, focamos as atitudes das pessoas, as crenças, como observam sua realidade”, explica Eliane.

“Apesar de o filme passar este pensamento mágico, percebemos que a fantasia do ‘tudo maravilhoso’ tem todo um processo por trás. As pessoas geralmente não se dão conta disso; elas assistem e têm a idéia de que vai dar tudo certo de repente, e depois percebem que nada acontece”, conta a especialista em PNL. Para mostrar que se trata de um processo mais complexo e demorado, “fizemos uma ligação da Física Quântica com a Psicologia, mostrando como um pensamento pode atrair uma situação”. Segundo a Lei da Atração, o pensamento emitiria ondas magnéticas que, numa explicação bem simples, atrairiam o “objeto” de desejo. Mas isso acontece mediante certa lucidez sobre as prioridades e objetivos individuais, algo obtido com um grau avançado de autoconhecimento que, dizem especialistas, cabe ser desenvolvido com Psicoterapia ou Psicanálise.

É preciso lembrar, porém, que a relação Física Quântica/ Psicologia é tão polêmica quanto qualquer receita universal de sucesso ou manual de auto-ajuda. Remonta à origem de correntes como a Psicologia Transpessoal, amplamente questionada em suas bases científicas, difundida, entre outros, pelo francês Pierre Weil. O psicólogo defende os fundamentos holísticos e metafísicos da abordagem, por sua vez ainda não reconhecidos pelas entidades fiscalizadoras e reguladoras do exercício profissional da Psicologia e da Psicanálise.

A psicanalista Suely Gevertz lembra que várias abordagens e ferramentas que freqüentam os consultórios com a mesma promessa dos manuais de auto-ajuda – de rápidas respostas – e mesmo baseadas em correntes holísticas não são sequer reconhecidas como terapêuticas pelos Conselhos Regionais de Psicologia. Seriam, ainda, bastante superficiais. “Algumas terapias alternativas ou ferramentas trabalham, geralmente, com o intuito de convencer a pessoa sobre a resolução de suas questões, sem o aprofundamento nelas, no lugar de fornecer um ambiente propício ao conhecimento de si e de seu funcionamento emocional, com a aplicação de uma técnica que tem sido desenvolvida há mais de cem anos, com um profissional qualificado, que dedicou muitos anos de estudos e investimentos em si para chegar a psicanalista, por exemplo”.

Já para o psicólogo Jacob Pinheiro Goldberg, “as terapias alternativas, corretamente aplicadas, podem compor o leque de auxílio ao alívio da ‘dor da existência’ nos dois sentidos - da doença e da busca do Eu”. Por terapias alternativas, entendase, nas palavras de Goldberg, “as de origem oriental – que vão desde a yoga e artes marciais até a meditação, e dependem do mestre e do praticante”. Sobre correntes de fundamento holístico, em geral, o especialista lembra um pronunciamento seu em evento internacional: “Numa conferência na Faculdade de Medicina da Universidade de Londres, disse que a Psicanálise é filha da religião e neta da magia”, admitindo que não se pode negar o desconhecido intangível mesmo nos saberes seculares, amplamente difundidos e respeitados. Voltando aos livros de auto-ajuda como O Segredo, Goldberg afirma: “Fugindo da mitificação e da mesmice, podem ser instrutores de reflexão”. Mas ressalta: “O tratamento de problemas psicológicos demanda orientação de profissionais qualificados academicamente”.

Zapear pelos programas de auditório dos canais abertos da televisão brasileira muitas vezes pode ser sinônimo de “buscar” dicas psicológicas. Viu-se, muitas vezes, o psicólogo Haroldo Lopes (autor, entre outros, do livro, Pronto Socorro Psicológico – Editora Elevação, 176 páginas) falando sobre doenças psíquicas, sintomas e formas de diagnosticá-los em horário nobre e programa de grande penetração. Os diagnósticos em tempo real, diz ele, já lhe renderam boas chamadas no Conselho Federal de Psicologia. Mas o psicólogo afirma deixar sempre claro que “cada pessoa é um universo” e que diagnósticos corretos devem ser feitos individualmente, por um especialista habilitado. Recomendação que consta até mesmo em Pronto Socorro Psicológico, assumidamente uma obra de auto-ajuda para homossexuais, familiares e amigos. Esse cuidado, portanto, seria algo inerente ao seu trabalho de maneira geral. O que tornaria sua participação televisiva muito mais utilidade pública que um prejuízo ao telespectador. E seus livros, questionados por promoverem a auto-ajuda, poderiam ser considerados ferramentas práticas e positivas.

Tomando-se esta precaução, Lopes é a favor desse tipo de literatura. E também das aparições midiáticas por psicólogos. Cita, para defender esta última atuação, o retorno que obteve de uma telespectadora que lhe agradeceu por salvá-la de um suicídio. Um depoimento do especialista esclarecendo sobre casos de depressão a teria feito descartar o ato e procurar ajuda profissional.
“A popularização de conhecimentos
pode induzir leigos a falsamente
identificarem transtornos em si”
   
Ana Maria Serra acredita que geralmente obras de auto-ajuda refletem apenas crenças e experiências dos autores

Ana Maria Serra, presidente do ITC, alerta, no entanto, para uma situação muito comum, ainda que as aparições sejam muito bem intencionadas. “Profissionais de saúde mental e a mídia geral e especializada devem tomar o cuidado de não confundir esclarecimento e informação com indução”, diz. “A popularização de conhecimentos científicos e clínicos pode induzir leigos a falsamente identificarem em si a existência de transtornos, levando-os a comportamentos que em TC chamamos de comportamentos de busca de segurança, como visitar seguidamente profissionais de saúde, certos de que têm um problema, ou pesquisar exaustivamente sobre o tema na Internet. Esses comportamentos acabam por causar o evento temido, isto é, a instalação de transtornos, especialmente aqueles da classe dos transtornos de ansiedade, como o pânico e a hipocondria”, preocupa-se e ressalva Ana Serra.
O fenômeno
O Segredo, de Rhonda Byrne, foi revelado para toda a mídia em formato de livro e película. Não se trata de um segredo propriamente dito, uma vez que ele está sendo contado a milhões de pessoas e passa a ser uma revelação. Na verdade, é a história de um segredo que perpetuou ao longo de quatro mil anos. Segundo o livro e o filme da obra homônima, Platão, Da Vinci, Galileu, Thomas Edison, Beethoven, Napoleão, Abraham Lincoln e Einstein foram alguns dos gênios que tiveram acesso aos mistérios que envolve o tal segredo, obtendo dinheiro, saúde, sucesso nos relacionamentos, felicidade etc. No filme, um grupo de profissionais e professores das áreas humanas se reúne para revelar o grande mistério, ligando fragmentos da história, agora desvendado pelos estudiosos.    

Filme
Ano de produção: 2006
País de produção: Austrália
Diretor: Drew Heriot
Produtora Executiva/Criadora:
Rhonda Byrne
Produtor: Paul Harrington
Duração: 92 minutos
Exibição: Digital
Classificação: Livre

Livro
Editora: Ediouro
Ano: 2007
Edição: 1
Número de páginas: 198
Preço: R$39,90

Nenhum comentário:

Postar um comentário