IDENY ESCRITOS & TELAS

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10 de julho de 2009

... o suficiente para demolir os pensamentos...

Um pequeno trecho de Emil Cioran, o suficiente para demolir os pensamentos. Difícil, porém, tão válido quando confrontado com a estupenda e magnífica civilização a que estamos: mil risos de ironia. É inútil construir tal modelo de franqueza: a vida só é tolerável pelo grau de mistificação que se põe nela. Tal modelo seria a ruína da sociedade, pois a “doçura” de viver em comum reside na impossibilidade de dar livre curso ao infinito de nossos pensamentos ocultos. É porque somos todos impostores que nos suportamos uns aos outros. Quem não aceitasse mentir veria a terra fugir sob seus pés: estamos biologicamente obrigados ao falso. Não há herói moral que não seja ou pueril, ou ineficaz, ou inautêntico; pois a verdadeira autenticidade é o aviltamento na fraude, no decoro da adulação pública e da difamação secreta. Se nossos semelhantes pudessem constatar nossas opiniões sobre eles, o amor, a amizade, o devotamento seriam riscados para sempre dos dicionários; e se tivéssemos a coragem de olhar cara a cara as dúvidas que concebemos timidamente sobre nós mesmos, nenhum de nós proferiria um “eu” sem envergonhar-se. A dissimulação arrasta tudo o que vive, desde o troglodita até o cético. Como só o respeito das aparências nos separa dos cadáveres, precisar o fundo das coisas e dos seres é perecer; conformemo-nos a um nada mais agradável: nossa constituição só tolera uma certa dose de verdade… - Breviário da Decomposição. Cioran, E. ---------------- Emil Cioran era um céptico, é o que falam; em verdade, “céptico” talvez seja um termo fraco para quem se consumiu em dissolver quanto lhe passasse na mente – tentara, num esforço baldado, ir além do ceticismo, mas para um homem que tal, o fracasso só era mais um bom motivo para escrever, senão o principal. Não enlouqueceu nem se suicidou, porque nunca levou demais a sério o que imprimiu em letra redonda. E é com este espírito que devem ler o que vai aqui. Parece-me mui de longe a obra do ilustre escriba uma glosa do “vaidade das vaidades” bíblico (também remete-me aos versículos em que Jó como que lamenta o fato de ter nascido), por isso traduzo os anexins; já seu estilo fecundo e axiomático não pude reproduzir a contento. Além do mais, Emil Cioran é o único escritor que conheço a passar a vida dedicando-se ao ladeira abaixo existencial sem parecer com isso um perfeito idiota - um grande elogio, sem dúvida.(Luiz de Carvalho).

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