IDENY ESCRITOS & TELAS

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8 de janeiro de 2009

Cenas do cotidiano- CRÔNICA DE IDENY DITZEL FREITAS -

Cenas do cotidiano-- CRÔNICA DE IDENY DITZEL FREITAS - CENAS DO COTIDIANO Eu já havia pago minha pequena compra e dirigia-me ao guarda-volumes, quando percebi um pequeno tumulto no supermercado. Vozes se confundiam abafadas umas pelas outras num círculo de pessoas que se formou próximo à porta de saída, em torno de uma senhora de idade já bem avançada, que com seus olhinhos miúdos olhava para qualquer ponto do infinito, indiferente aos murmúrios e comentários mais exaltados dos que a ladeavam. Nada daquilo parecia lhe interessar. Quando um homem alto e forte se dirigiu à velha com a feição fechada, decidi me aproximar para observar mais de perto o que estava ocorrendo.Não pude ouvir o que ele disse, mas o que a velhinha disse e da forma como o disse, ainda o tenho na mente de uma maneira bem viva, talvez porque aquela voz tão firme não parecia estar saindo de uma pessoa tão frágil. Com um ar cheio de razão na fisionomia encovada, ela proferiu sem titubear: -O senhor acha que se eu tivesse dinheiro não tinha passado no caixa para pagar o leite? Uma surra de olhares indignados atingiu o homenzarrão, que agora eu percebia era o segurança do estabelecimento. Este pareceu encolher-se de repente diante dos olhares e eu num relance notei, que a velha senhora abraçava,com seus braços muito magros, um litro de leite. _Sim, ela não tem o dinheiro! exclamou um e todos falaram em cima, sempre a favor da mulher. Acostumado a pegar os moleques pelo braço e enfiar de volta no mercado, a fim de lhes subtrair o que haviam furtado, o experiente segurança não sabia o que fazer com a velha. Suas bochechas contraídas no início, desandaram de forma estúpida e patética, enquanto ele rebuscava na mente, uma solução para o caso. - Mas ela roubou!!!! arriscou timidamente o pobre homem, justificando aos expectadores, o que não precisava ser justificado; enquanto a velhinha continuava indiferente, abraçada ao litro de leite e só não continuava também os passos tranqüilos em direção à porta de saída porque os curiosos se colocavam entre ela e a rua. Foi num intervalo curto de silêncio que, um senhor gordo, que assistia a cena de longe, tomou a decisão que a ninguém tinha ocorrido. Ele foi se chegando, se balançando e balançando uma nota de dez reais na mão ao mesmo tempo que procurava a atenção do segurança com uma voz grave de salvador do mundo: -Eu pago o leite da mulher, deixe a mulher levar o leite! A mim também ocorreu naquela hora que eu podia ter feito o mesmo, não fosse minha inclinação para observar e analisar situações esperando pelos seus desfechos. Bem, assim que consigo minhas histórias... Aliviado o segurança aproximou-se da senhora a fim de conferir o preço no pacote. Esta que se manteve por todo o tempo impassível , numa imobilidade de corpo,alma e olhos, reagiu de um salto, abraçando-se a seu tesouro com mais força e fitando ao seu algoz com certa mágoa. - Eu só quero ver o preço a ser cobrado, vovó!... - tentou o segurança quase adoçando a voz, mais para satisfazer a platéia, que externando complacência. Não teve jeito, a velha recuava a medida que ele se aproximava. - Vai no balcão de lacticínios ver o preço! Gritou alguém indignado. Atônito, o homenzarrão da segurança obedeceu, ordenando ao primeiro moleque pacoteiro que viu pelos caixas, para que fosse imediatamente ver o preço do produto! O final da frase já o fez com uma entonação de superioridade, tentando resgatar , um pouquinho que fosse, seu habitual modo de expressar respeito. Voltando o menino com o preço, o senhor simpático e prestativo entrega a nota de dez ao segurança, que o entrega ao garoto, para que este vá ao caixa e retorne trazendo o troco ao dono da cédula. Tudo procedido no silêncio que recaíra trazendo quase decepção ao grupo que parecia estar gostando do alvoroço, excetuando-se com certeza, o único que realmente se apurou nesta pequena tentativa de furto: o pobre segurança, que já erguera dignamente as bochechas de novo, aliviado. O gordo-salvador-do-mundo, pegou o troco entregou-o à senhora do leite, para não fazer uma boa ação pela metade. Sorriu satisfeito consigo mesmo e foi embora, não sem antes dar rápida conferida com o olhar em todos os presentes, para verificar talvez se todos o aprovavam tanto quanto ele se aprovara. O círculo em volta da velha foi se abrindo, e tão logo sentiu o caminho livre a velhinha continuou seus passos, como se entre o momento que se decidiu a pegar o leite do balcão, e o momento que viu o espaço aberto para a rua, não tivesse acontecido nada.

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